domingo, 12 de outubro de 2014

A estagnação da astronomia

O período conhecido como Idade Média, foi um período da história da Europa entre os séculos V e XV (401 - 1500), que inicia com a queda do Império Romano do Ocidente e se estende até a transição para a Idade Moderna. A Idade Média é frequentemente dividida em Alta e Baixa Idade Média.


O período da Alta Idade Média que compreendeu os séculos V a X (401 - 1000) caracterizou-se pela continuidade dos processos de despovoamento, regressão urbana, e invasões bárbaras. O Império Bizantino torna-se uma grande potência. A maior parte dos novos reinos incorporaram o maior número possível de instituições romanas pré-existentes. O cristianismo dissemina-se pela Europa ocidental. Os Francos estabeleceram um império que dominou grande parte da Europa ocidental entre os séculos VII e VIII chegando até ao século IX, quando sucumbiu às investidas de Vikings do norte, Magiares de leste e Sarracenos do sul.


Já o período da Baixa Idade Média, que compreendeu os séculos XI a XV (1001 - 1500) caracterizou-se por um crescimento demográfico muito acentuado e um renascimento do comércio, incentivado pelas inovações técnicas e agrícolas. Consolidaram-se as estruturas sociais do senhorialismo e do feudalismo. Com as Cruzadas, a partir de 1095, os cristãos tentam recuperar dos muçulmanos o domínio sobre a Terra Santa. A vida cultural foi dominada pela escolástica, uma filosofia que procurou unir a fé à razão, e pela fundação das primeiras universidades. Os dois últimos séculos da Baixa Idade Média ficaram marcados por várias guerras, adversidades e catástrofes. A peste negra devastou um terço da população europeia entre 1347 e 1350. O “Grande Cisma do Ocidente” no seio da Igreja teve consequências profundas na sociedade e foi um dos fatores que esteve na origem de inúmeras guerras entre estados. Assistiu-se também a diversas guerras civis e revoltas populares dentro dos próprios reinos.


Em relação à astronomia especificamente, esse período foi relativamente pobre em descobertas. A astronomia nesse período, caracterizou-se por pequenas evoluções sobre as teorias existentes e aquisição de dados para suportá-las. As ideias do geocentrismo e órbitas circulares perfeitas, remanescentes dos gregos foram solidificadas com o apoio da igreja (tanto muçulmana quanto cristã), fato esse que iria ter consequências nos períodos que se seguiram.

Um dos fatos mais relevantes para a astronomia nesse período, foi a “Expansão Islâmica”, entre 632 e 732 d.C. Os astrônomos do império islâmico, não só preservaram o conhecimento dos gregos nessa área, como o expandiram e integraram com as culturas Persa e Indiana. Produziram cálculos sobre a duração do ano, o tamanho da Terra e o formato da órbita da Lua, aumentando a precisão dos dados deixados pelos gregos, e plantando as sementes que levaram ao desenvolvimento da teoria heliocêntrica na renascença. Eles também aperfeiçoaram um astrolábio para fins astronômicos a partir do modelo de Ptolomeu.


Sobre a astronomia na Europa nesse período, se é verdade que a Igreja controlava a forma de pensar das pessoas interferindo diretamente na educação das mesmas, a nível universitário, (visto que todos os professores universitários eram clérigos e a maioria dos estudantes eram monges, frades ou noviços de padres), mesmo assim era possível uma certa liberdade de pensamento entre os eruditos.


E se a Igreja controlava os leigos quando estes propunham novas concepções de cunho político ou que pudessem afetar interpretações teológicas, era relativamente tolerante quando as ideias surgiam da classe erudita do próprio clero.
No entanto, a Igreja tinha conseguido acomodar a teoria Aristotélica com a criação do “Primum Mobile” (sopro original), que teria posto toda a engrenagem do Universo em movimento, permanecendo a partir de então o Universo imutável, fazendo dessa a concepção oficial por ela admitida. Lembrando que segundo Aristóteles, o universo era finito, e esférico, os planetas orbitavam ao redor de uma Terra esférica em órbitas também esféricas e concêntricas.


A Astronomia medieval europeia, assim como a islâmica do mesmo período, não foi agraciada com grandes descobertas, tendo sido muito mais uma época de aperfeiçoamento do modelo existente e aceito. A ideia corrente entre os astrônomos era de que a Terra estava imóvel no centro do Universo como propuseram Aristóteles e Ptolomeu. A grande tarefa dos astrônomos era portanto, acumular dados e passar a informação de toda a complexidade e elegância matemática e filosófica de geração para geração. O astrônomo medieval, mais do que investigador, era um erudito.

O acumular de dados relativos ao movimento das estrelas, acabou por deixar clara a deficiência do modelo de Ptolomeu, fazendo surgir pequenas adaptações que foram complicando o formalismo matemático do mesmo. No entanto, nenhuma das adaptações resolvia completamente os problemas que iam surgindo à medida que os séculos se passavam.

Datas consideradas constantes como, por exemplo os equinócios e os solstícios foram-se desviando das datas previstas ao longo do tempo. Isto levou a que datas como a Páscoa fossem se desfasando quando se comparava a data de calendário e a data celeste (a Páscoa é determinada a partir da Lua Cheia mais próxima do equinócio da Primavera).

O Calendário Moderno que ainda hoje usamos foi autorizado pelo Papa Gregório em 1582 e sincronizou a Páscoa com os fenômenos celestes, mas a fórmula que ele utiliza demorou séculos de observação para ser desenvolvida.


Foi também neste período, sob a influência do desenvolvimento da Astronomia árabe, começaram a ser aperfeiçoados instrumentos específicos para a navegação que seriam utilizados em todo o período da expansão, especificamente: o quadrante marítimo em madeira, o astrolábio náutico para a determinação da latitude e a balhestilha.


Durante a Idade Média foram discutidas algumas ideias revolucionárias que apenas foram retomadas séculos mais tarde como, por exemplo, a existência do tempo. Uma discussão comum era se o Universo divino teria tempo. O Universo divino, estando fora do Universo físico das esferas cristalinas, sendo perfeito e imutável, não admitiria a existência de tempo, pois o tempo implicava mutação.
No período conhecido como “Baixa Idade Média”, ocorreram algumas iniciativas interessantes para a astronomia que geraram algumas consequências durante o período Renascentista que viria a seguir.

Gerardo de Cremona (1114-1187) traduziu para o latim a versão árabe do Almagesto de Ptolomeu (c. 1175), que ficou conhecida como “Theoricae Planetarum Communis”, e passou a ser um dos livros base do ensino de astronomia na Europa desde então.


Johannes de Strabosco  (1195-1256), conhecido e muitas vezes citado como John of Holywood publicou várias obras, sendo a primeira o livro “Sphera Mundi”, por volta de 1230, onde apresentava num formato mais agradável e ilustrado, o universo de Ptolomeu. A esfera de Strabosco referia-se à esfera onde ficavam incrustadas as estrelas que delimitava o Mundo (o universo conhecido na época, não a Terra). Tratando principalmente dos céus, ele continha uma clara descrição da Terra como uma esfera no primeiro capítulo. Essa obra passou a fazer parte do currículo padrão dos estudantes de toda a Europa ocidental nos próximos quatro séculos.


Thomas Bradwardine (1290-1349) discutiu as características de um possível Universo infinito.
Nicole de Oresme (c. 1323-1382) argumentou ser mais razoável que a Terra tivesse uma rotação em torno de si mesma, que a ideia de todo o Universo a rodar em torno da Terra, além de propor um conceito incipiente de centro de gravidade e usar a matemática para se opor à astrologia.
Nicolau de Cusa (1401-1464) defendeu um Universo infinito geocêntrico em que para além das esferas cristalinas haveria um Universo infinito que conteria infinitos sóis iguais ao Sol.


Apesar destas ideias controversas, nenhum desses escolásticos teve problemas com a Igreja. De fato, Thomas Bradwardine veio a ser Arcebispo da Cantuária, enquanto Nicolas de Cusa e Nicole de Oresme se tornaram Bispos.

Georg Puerbach (1423 - 1461) refinou o Almagesto de Ptolomeu e escreveu uma versão sintetizada sobre ele, a “Novae theoricae planetarum” (1454), daí resultando uma nova teoria dos planetas. Isso levou à renovação do interesse na necessidade de observações mais precisas para a astronomia, e mais tarde serviria de partida para obra reformadora de Nicolau Copérnico na Renascença.
Regiomontanus (1436 - 1476), aluno de Georg Puerbach, ressaltou os problemas com o trabalho de Ptolomeu baseado em observações feitas a partir de um observatório que ele construiu para essa finalidade específica. Em 1472 ele e Bernhard Walther observaram um cometa brilhante, fato que mais tarde foi identificado como uma das visitas do cometa Halley, e Regiomontanus tentou estimar sua distância da Terra usando o ângulo de paralaxe, e estava trabalhando num modelo de universo heliocêntrico influenciado por Aristarco na época de sua morte.


Regiomontanus estabeleceu Nuremberg como um centro para estudos astronômicos e matemáticos, e durante os séculos XV e XVI, a cidade ficou famosa por produzir globos celestes e terrestres. Por conta disso, uma imagem de Regiomontanus consta da “Crônica de Nuremberg” de Hartmann Schedel de 1493.


A Astronomia gozava de um lugar destacado no currículo universitário da Idade Média, que era essencialmente constituído por quatro ciências que tomavam o nome de Quadrivium: a Astronomia, a Geometria, a Aritmética e a Música. Na verdade, nenhum graduado universitário podia concluir o seu grau sem ser avaliado em Astronomia.

Sobre o currículo astronômico nas universidades da idade média, vale ressaltar alguns manuais traduzidos. O mais básico deles, foi o “Rudimenta astronomica”, traduzido (entre 1135-53) a partir de um tratado original do astrônomo persa Al-Farghani (ou Alfraganus). Ele dava uma ideia geral dos principais princípios da teoria do movimento dos planetas de Ptolomeu para os estudantes que ainda não dominavam suficientemente a matemática para estudar o Almagesto. Outros manuais eram trabalhos inéditos, como o “Theorica Planetarum”, atribuído a Roger de Hereford, e o mais conhecido “De Sphaera” de Robert Grosseteste.

A partir da metade do século XIII, o astrônomo inglês Johannes de Sacrobosco ganhou força com uma série de manuais que resumiam seu trabalho de ensino na Universidade de Paris. Foram eles: “Algorismus”, “Compotus”, e o “Tractatus de Sphaera”, que dava uma introdução à astronomia esférica e à geografia astronômica, e nas últimas páginas, uma noção do movimento dos planetas, em especial do Sol e da Lua e da causa dos eclipses.


As obras que melhor representam o legado da idade média na astronomia são as que tiveram como base o Almagesto de Ptolomeu: inicialmente a “Theoricae Planetarum Communis” e mais tarde a “Novae Theoricae Planetarum”, em várias versões variando de oito até onze capítulos.

Existe uma certa controvérsia em relação à época em que se encerra a Idade Média e tem início o período conhecido como Renascença. Alguns defendem que as ideias que caracterizaram o renascentismo começaram a se estabelecer com as publicações de Dante Alighieri (1265–1321) e Francesco Petrarca (1304–1374), assim como as pinturas de Giotto di Bondone (1267–1337). Outros defendem a ideia de uma data posterior, tendo se iniciado em 1401, epoca na qual os gênios rivais: Lorenzo Ghiberti e Filippo Brunelleschi competiram por um contrato para construir as portas de bronze do batistério da Catedral de Florença (Ghiberti venceu). Epoca também de outros artistas e polimatas como Donatello e Masaccio.


Na sequencia, vamos estudar o período no qual a ciência da astronomia, praticamente renasceu.


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